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Entrevista com António Vicente novo presidente da Escola de Engenharia da UMinho

António Vicente, novo presidente da Escola de Engenharia da Universidade do Minho, quer uma liderança mais próxima, participada e aberta à sociedade, assumindo como prioridades o rejuvenescimento dos quadros, a internacionalização e a modernização dos modelos de ensino. Defende que Portugal forma engenheiros ao nível dos melhores da Europa, mas alerta para o subfinanciamento e para a escassez de perfis técnico-científicos na esfera política, num momento em que “o futuro não existe sem engenharia”

Como novo presidente da Escola de Engenharia da Universidade do Minho (EEUM) o que podemos esperar?

O programa de ação para o mandato desta nova presidência, embora pretenda assegurar uma continuidade de políticas em vários aspetos-chave da governação da Escola de Engenharia (até porque eu já fazia parte da equipa da Presidência anterior), inclui o compromisso e empenho da nova equipa para executar uma gestão rigorosa, transparente e participada, com particular atenção aos contributos explícitos da sua comunidade, fortalecendo o diálogo interno e apoiando iniciativas que os membros da Escola entendam como relevantes.

"Queremos, portanto, uma presidência próxima dos departamentos, centros de investigação e estudantes, por um lado, sem descurar a sua imagem de marca de abertura à sociedade e ao tecido empresarial."

Obviamente pretende-se ter em conta, também, o plano de estratégico da EEUM 2023-2033, seguindo e executando as principais linhas orientadoras desse plano que foi formulado e aprovado durante a presidência anterior, em auscultação e consenso com inúmeros membros da comunidade académica. Aqui, colocaremos enfâse no rejuvenescimento dos corpos docente, de investigação e de pessoal técnico, administrativo e de gestão e num necessário reforço da internacionalização (por exemplo, com maior colaboração com escolas de engenharia europeias de referência).

O objetivo final é termos uma Escola ainda mais coesa, mais visível e melhor preparada para os desafios do futuro

Quais as principais medidas que pretende implementar?

A visão central da nossa candidatura foi alicerçada em quatro eixos: inovação, sustentabilidade, inclusão e colaboração, que configuram desafios transversais a toda a atividade da Escola. Isto irá refletir-se nas medidas que foram traçadas para 7 áreas principais de atuação: Modelo de Governação; Gestão de Recursos Humanos e Qualidade de Vida; Educação e Formação; Investigação e Gestão Científica e Valorização do Conhecimento; Interação com a Sociedade, Comunicação e Imagem; Internacionalização; Avaliação, Qualidade e Ética.

De entre as medidas previstas na candidatura, permito-me destacar:

  • O plano plurianual de renovação do corpo docente, de investigadores e de pessoal técnico, administrativo e de gestão (já mencionado anteriormente);
  • O plano de reabilitação de espaços e do edificado mais envelhecido;
  • A simplificação dos modelos administrativos para uma maior eficiência de processos;
  • A consolidação de um modelo de ensino que combine a componente presencial com aprendizagem baseada em projetos e integração de problemas reais proporcionados pela nossa estreita colaboração com a indústria;
  • O aumento da oferta de mestrados e doutoramentos em inglês, em parceria com universidades europeias e norte-americanas.

Qual a sua opinião sobre o ensino superior da Engenharia? Estamos ao nível dos melhores?

A Escola de Engenharia pertence ao Consórcio de Escolas de Engenharia, formado em 2019, e que integra também a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa (NOVA FCT), a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), o Instituto Superior Técnico (IST) e a Universidade de Aveiro (UA), cujo objetivo é reforçar o impacto da Engenharia no mundo lusófono. A nível internacional estas instituições têm constado em lugares de destaque nos mais conceituados rankings (Stanford e o Xangai por exemplo) nas áreas de Engenharia.

"O ensino superior de engenharia em Portugal posiciona-se muito bem no contexto europeu em termos de qualidade científica e de formação."

Isto leva-me a concluir que o ensino superior de engenharia em Portugal posiciona-se muito bem no contexto europeu em termos de qualidade científica e de formação, estando muitas escolas de engenharia portuguesas, incluindo a EEUM, claramente ao nível dos melhores da Europa. No entanto, não devemos esquecer que estas escolas de engenharia estão inseridas num sistema com subfinanciamento crónico e envelhecimento de quadros, o que exige um esforço adicional de renovação e internacionalização. Apesar disso, estamos sempre a trabalhar para continuar a desenvolver formação altamente qualificada reconhecida nacional e internacionalmente, contando para isso com a experiência e conhecimento que obtemos junto das parcerias estabelecidas com um cada vez maior número de instituições de ensino superior estrangeiras de reconhecido mérito, para além das naturais parcerias com as instituições nacionais.

Também os nossos Alumni, espalhados pelo Mundo, em instituições/empresas/entidades reconhecidas a nível internacional, são testemunho vivo da confiança dessas entidades na qualidade do nosso ensino.

"Há uma sub-representação de engenheiros e de perfis técnico-científicos em espaços de decisão política, tanto em Portugal como em muitos países europeu"

Há falta de engenheiros nas decisões políticas? Em que medida isso poderia fazer a diferença?

Pergunta difícil... Penso que poderá dizer-se sem risco de erro que há uma sub-representação de engenheiros e de perfis técnico-científicos em espaços de decisão política, tanto em Portugal como em muitos países europeus.

Parte das decisões sobre energia, infraestruturas, ordenamento do território e digitalização é tomada com forte componente política, mas nem sempre com a profundidade técnico-sistémica que estas áreas exigem.

A Comissão Europeia refere que o sucesso das transições verde e digital depende de sistemas de ensino superior capazes de formar mais quadros em STEM e de universidades envolvidas nessas políticas.

Um maior número de engenheiros em órgãos políticos teria impacto sobretudo em: melhor avaliação de custos de ciclo de vida, riscos e resiliência em projetos públicos de grande escala; maior atenção à interoperabilidade técnica entre sistemas de transporte, energia, água e dados; políticas de educação, ciência e inovação mais alinhadas com dados sobre procura real de competências. Trata-se de assegurar que a racionalidade técnica e o pensamento sistémico próprios da profissão entram mais cedo no processo de decisão, lado a lado com a economia, o direito e as ciências sociais.

Pode acontecer que talvez haja falta de profissionais de Engenharia com um currículo suficientemente abrangente (em que, para além da competência técnico-científica, haja um conhecimento suficiente da sociedade, tecido empresarial e academia) para serem visíveis aos olhos do poder político. Aqui, também a OERN, no seu papel de Ordem Profissional, tem um papel fundamental e uma contribuição crucial no complemento de formação deste currículo.

Em todo o caso, e de forma genérica, penso que ainda assim temos assistido a uma maior auscultação de profissionais de Engenharia na tomada de decisão relativa a questões estratégicas relacionadas com a Inovação, a Transferência do Conhecimento, a Tecnologia e as grandes opções de investimento do Estado.

Muitas startups começaram nos corredores da Universidade do Minho, mais concretamente da Escola de Engenharia. Como vê o futuro destas?

Consideramos que o futuro de todas áreas relacionadas com o empreendedorismo e inovação está em alta. Nunca foi tão fácil, rápido e seguro ter acesso a informação, dados, financiamento, grupos de trabalho colaborativo.

No entanto, isto é apenas um vetor das saídas profissionais dos nossos alunos. Um perfil de estudante empreendedor interessa a qualquer empregador, nacional ou internacional, e sobre esse tema estamos a preparar cada vez melhor os nossos estudantes.

"É preciso ter visão estratégica, bastante resiliência e capacidade de se adaptar aos constantes desafios do mercado global."

Na realidade, este tema é muito valorizado na UMinho, há bastante tempo, com a nossa Interface TecMinho a atribuir o estatudo Spin-off UMinho a vários projetos de estudantes, investigadores e docentes nesta academia. Mas, no caso da Escola de Engenharia, sendo uma escola para a sociedade e estando muito próxima das incubadoras da região (Braga, Guimarães, Famalicão, Esposende, por exemplo) nos últimos anos temos de facto assistido a um avolumar de projetos bem-sucedidos, aos quais damos palco e todo o apoio através da Agenda para a Inovação e Empreendedorismo instituída em 2023.

Podemos, portanto, dizer que o futuro destas startups é cheio de oportunidades, mas também desafiante. Será preciso ter visão estratégica, bastante resiliência e capacidade de se adaptar aos constantes desafios do mercado global.

As novas tecnologias e o ensino à distância provaram que há margem para outras formas de ensino que não o tradicional. Acredita que o modelo tradicional de ensino é ainda o melhor? Porquê?

A evidência internacional mostra que o melhor modelo é o ensino presencial reforçado por estratégias digitais bem desenhadas. Isto permite formatos flexíveis de aprendizagem ao longo da vida.

No caso da engenharia, a experiência de laboratório, o trabalho presencial em equipa e a vida académica em campus continuam a ser insubstituíveis para formar profissionais completos. No entanto, as plataformas digitais, ambientes virtuais e ferramentas colaborativas permitem reforçar a personalização da aprendizagem e facilitar a participação de todos os estudantes.

Foi isso que aprendemos durante os tempos de pandemia: se por um lado vimos benefícios – a situação obrigou a repensar a “sala de aula” e os suportes de comunicação –, por outro vimos muitos “contras”, mais pela questão da falta de interação entre estudantes e destes com o corpo docente e toda a comunidade.

Percebemos, junto da nossa interação com a sociedade, que as experiências fora do contexto “sala de aula”, mas presencial (por exemplo, visitas de estudo), trazem inúmeros benefícios.  Temos alguns projetos PBL que são prova de sucesso e queremos apostar mais neste tipo de formação. Aliás, a generalidade dos nossos cursos tem no plano curricular unidades de projeto que incentivam novas formas de aprendizagem. Temos como exemplo, a distinção internacional de estudantes nossos, em julho deste ano, na aprendizagem ativa em engenharia, na PAEE/ALE 2025 – International Conference on Active Learning in Engineering Education (https://www.engium.uminho.pt/estudantes-da-eeum-distinguidos-internacionalmente-na-aprendizagem-ativa-em-engenharia/).

"Todos os estudantes que entraram este ano nas licenciaturas da EEUM tiveram uma sessão de acolhimento conduzida pela Ordem dos Engenheiros, “Integridade Académica, Ética e Deontologia Profissional”, que consideramos fundamental"

Como pode a Ordem dos Engenheiros ter um papel mais ativo e determinante no apoio aos seus estudantes?

Temos tido uma relação de grande proximidade com a Ordem dos Engenheiros e os nossos estudantes beneficiam dessa relação de inúmeras formas. Deixo como exemplo que todos os estudantes que entraram este ano nas licenciaturas da EEUM tiveram uma sessão de acolhimento conduzida pela Ordem dos Engenheiros, “Integridade Académica, Ética e Deontologia Profissional”, que consideramos fundamental para a formação deles e para perceberam como poderão ser melhores profissionais de engenharia.

Com a possibilidade que a Ordem abre aos nossos estudantes de serem Membro Estudante desde o 1º ano do curso, juntamente com as iniciativas de formação complementar e de networking e proximidade com o tecido empresarial, incentivando-os desde cedo, só vemos benefícios nesta relação com a Ordem.

Para além disso, obviamente a Ordem dos Engenheiros desempenha um papel regulador e de reconhecimento profissional muito relevante no que se refere ao processo de reconhecimento de qualificações para exercício da profissão. Acredito que poderia melhorar ainda mais o seu papel no apoio aos estudantes com:

- a intensificação de programas de mentoria que liguem estudantes a engenheiros em diferentes setores, ajudando a clarificar percursos de carreira e exigências éticas da profissão;

- uma mediação ainda mais ativa da interação entre empresas e universidades, ajudando a mapear perfis de competências e a estruturar estágios e programas de primeiro emprego;

- o reforço da oferta de formação contínua acreditada, em articulação com as Universidades, em áreas emergentes;

- a promoção de uma reflexão atempada sobre a procura de profissionais de engenharia, permitindo antecipar áreas e períodos de escassez de engenheiros;

- o incentivo à participação em projetos e competições que desenvolvam competências técnicas e interpessoais;

- a oferta de um portfolio de atividades de formação aos membros estudantes, que lhes mostre de forma clara quais as exigências do que é ser engenheiro, permitindo-lhes preparem-se para os desafios da profissão.

Pedia-lhe uma mensagem para todos os engenheiros e estudantes de engenharia que irão ler esta entrevista.

Como engenheiros e futuros engenheiros, somos mais que utilizadores de conhecimento técnico, somos quem transforma esse conhecimento em infraestruturas, sistemas e produtos que afetam a vida de milhões de pessoas. Face aos atuais desafios energéticos, demográficos e digitais, as escolhas de projeto que os engenheiros fazem e os compromissos que aceitam têm consequências reais para a sociedade.

Para os estudantes: Vale a pena abraçar a exigência da formação em engenharia, porque ela abre portas em muitos setores, dentro e fora da engenharia, porque desenvolve uma forma de pensar baseada em evidência, análise crítica e sentido de responsabilidade.

Para os engenheiros: mantenham uma relação viva com a Ordem dos Engenheiros, seja como mentores, empregadores ou parceiros de formação. A sociedade precisa de engenheiros que, para além de dominarem as suas ferramentas, saibam avaliar o impacto das suas decisões no plano social, ambiental e económico. A engenharia é uma profissão que combina várias competências, como criatividade, responsabilidade e inovação, e é essencial compreender que o trabalho que desenvolvem hoje terá repercussões no presente e no futuro.

"Onde houver engenheiros haverá futuro, mas atrevo-me a ir mais longe: não haverá futuro sem engenheiros!"

Para fechar: Há futuro onde há engenheiros? Comente

Há, sim! E por acreditarmos nisso, em 2019 criamos na EEUM a assinatura de marca “Tomorrow Needs Engineering” com o objetivo de reafirmar o posicionamento da Escola de Engenharia, que desde a sua constituição (há 50 anos) teve como missão servir as necessidades não só da região onde se insere, mas antecipar soluções para futuras necessidades, do País e do mundo.

Os dados disponíveis sobre escassez de competências são claros: engenharia, TIC e áreas técnicas associadas aparecem sistematicamente entre os domínios com maior falta de profissionais qualificados na Europa. A União Europeia coloca a transição verde e digital no centro da sua estratégia, e estas transições não são possíveis sem engenheiros nas suas múltiplas especialidades.

Mas “haver engenheiros” não basta. Precisamos de engenheiros bem formados, com sólida preparação científica, capacidade de trabalhar em equipas multidisciplinares, sensibilidade ética e social e vontade de aprender ao longo de toda a carreira. A Engenharia é uma área que se reinventa todos os dias, atenta às necessidades do futuro, sem esquecer as bases e a experiência do passado. Por isso, sim, acreditamos na possibilidade de um futuro com maior qualidade de vida com o contributo decisivo da Engenharia em todas as áreas onde possa impactar.

Onde houver engenheiros haverá futuro, mas atrevo-me a ir mais longe: não haverá futuro sem engenheiros!

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