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[Vídeo] Alta Velocidade no Porto: debate, proposta, dúvidas e a batalha pela estação ideal

No passado dia 5 de dezembro, decorreu a sessão de apresentação da proposta para a Linha de Alta Velocidade da Área Metropolitana do Porto, em formato híbrido, juntando mais de 800 participantes num esforço conjunto para informar a população sobre o estado atual do projeto, explicar de forma clara e acessível o Resumo Não Técnico (RNT) e promover a participação pública no processo de avaliação ambiental, através de intervenções, uma mesa redonda e um debate com especialistas

O Auditório da OERN recebeu a sessão pública dedicada à apresentação da proposta do consórcio responsável pela linha de alta velocidade na área metropolitana do Porto, onde Carlos Mineiro Aires, Presidente da Mesa da Assembleia de Representantes da Ordem dos Engenheiros e Bento Aires, presidente do Conselho Diretivo da Região Norte da Ordem dirigiram a sessão de abertura.

Carlos Mineiro Aires destacou a importância de esclarecer a população sobre um projeto que tem gerado debate, sublinhando que a discussão "só é útil quando é feita com informação rigorosa." Realçou que a "alta velocidade e a resolução da situação aeroportuária nacional são prioridades estratégicas há muito adiadas", referindo a sobrelotação do Aeroporto de Lisboa como exemplo da urgência em modernizar infraestruturas. Enalteceu ainda a presença dos representantes do consórcio, considerando-a um sinal de abertura e transparência.

Já Bento Aires salientou a relevância nacional da obra e congratulou o facto de o consórcio ser constituído maioritariamente por empresas portuguesas. Recordou que o RECAP, o documento de definição técnica da concessão, acabou recentemente a sua fase de discussão e justificou a realização deste debate como forma de "garantir que engenheiros, arquitetos e cidadãos formam opiniões com base em informação técnica credível." Sublinhou que "o país vive um momento de transformação ferroviária e que o essencial é que a linha de alta velocidade avance, evitando novos atrasos". Reafirmou ainda a disponibilidade da "Ordem dos Engenheiros para apoiar tecnicamente os municípios do Porto e de Gaia, colocando ao seu dispor especialistas independentes da instituição para ajudar a avaliar e consolidar decisões futuras."

A Apresentação da proposta do Consórcio para a Alta Velocidade da Área Metropolitana do Porto ficou a cargo do engenheiro António Campos e Matos, que começou por explicar que o subsolo das duas margens do Douro é altamente heterogéneo, o que dificulta a construção de túneis profundos em segurança. Na zona de General Torres, acrescentou, "o risco é particularmente elevado devido à existência de edifícios assentes sobre aterros e solos instáveis, tornando essa alternativa impraticável do ponto de vista geotécnico."

Segundo o engenheiro, o traçado proposto procura minimizar riscos, reduzir impactos urbanos e garantir o cumprimento dos parâmetros obrigatórios de uma linha de alta velocidade, que exige limites rigorosos de curvatura e inclinação. A solução apresentada permite ainda compatibilizar a ligação à estação de Campanhã e a articulação futura com o aeroporto.

Campos e Matos apresentou também a localização e o conceito da nova estação de Gaia, desenhada como polo intermodal e elemento estruturante para o desenvolvimento urbano. Recordou que o projeto atual resulta de estudos iniciados no âmbito da antiga RAVE, agora atualizados com novas metodologias e requisitos europeus, e frisou que as decisões não podem assentar em perceções superficiais, mas em critérios técnicos que assegurem segurança, funcionalidade e viabilidade construtiva.

Seguiu-se uma mesa redonda, moderada por Bento Aires, e composta por especialistas distribuídos entre as áreas da Engenharia, da Arquitetura, das Infraestruturas e Mobilidade e da Sustentabilidade. O arquiteto Eduardo Souto Moura, Carlos Fernandes, Vice-Presidente das Infraestruturas de Portugal, os engenheiros António Campos e Matos e Álvaro Costa e ainda Acácio Pires, Membro do Conselho Geral e Policy Officer na ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável, debateram e apresentaram pontos de vista sobre esta LAV, com foco na sua localização, acessibilidade e impacto urbano.

Os oradores destacaram que a escolha entre uma estação subterrânea e uma estação à superfície envolve questões técnicas, de segurança e de desenvolvimento urbano e sublinharam ainda a importância de considerar a área metropolitana como um conjunto de núcleos conectados e não como um único núcleo central do Porto. A nova localização da estação poderia facilitar a integração com transportes públicos e rodoviários, promovendo alternativas ao uso do carro, como transporte flexível e bicicletas, e contribuindo para a redução de emissões na região.

Uma mesa-redonda dedicada ao futuro da linha de alta velocidade Lisboa–Porto reuniu arquitetos, engenheiros, especialistas em mobilidade e representantes de entidades públicas para discutir a localização da estação de Gaia, as opções de traçado e o impacto urbano, ambiental e operacional do projeto.

Souto de Moura critica solução enterrada e defende localização alternativa

O arquiteto Eduardo Souto de Moura, responsável por projetos emblemáticos como as estações do Metro do Porto, alertou para os riscos e limitações da estação prevista originalmente para Santo Ovídio, enterrada a 60–70 metros. Considera-a insegura, difícil de operar e inadequada para um território urbano “já caótico”.

O arquiteto defendeu que a alternativa no Vilar do Paraíso permite promover desenvolvimento urbano estruturado, com melhores acessos rodoviários, parqueamento e novas centralidades. “Não faz sentido concentrar ainda mais fluxos no centro de Gaia”, resumiu.

Mobilidade metropolitana: localização deve servir uma cidade “polinucleada”

O especialista em mobilidade Álvaro Costa concordou com a nova localização, defendendo que a Área Metropolitana do Porto deve ser vista como um sistema de múltiplos núcleos ligados entre si.

Para o engenheiro, a estação enterrada teria má acessibilidade rodoviária, criando problemas semelhantes aos do parque de General Torres. A estação à superfície, ligada a boas vias de circulação, permitiria integrar fluxos provenientes de vários polos — da Maia a Espinho — e reforçar a estrutura metropolitana. “Precisamos de conectar núcleos, não de reforçar o centro”, afirmou.

Ambientalistas alertam para metas climáticas e rejeitam nova ponte rodoviária

O representante da Associação ZERO, Acássio Pires, chamou a atenção para as metas legais de redução de emissões no setor dos transportes — 40% até 2030 — afirmando que o país está a caminhar na direção contrária.

A ZERO levantou três preocupações principais:

Necessidade de garantir acessos por transporte público, incluindo metro, modos flexíveis e bicicletas, que já se revelam competitivas na região.
Pires defendeu que a estação deve reduzir a atratividade do automóvel, não aumentá-la.

Construção de uma nova ponte rodoviária, considerada injustificada e contrária aos objetivos climáticos.

Excesso de estacionamento automóvel junto à futura estação.

Infraestruturas de Portugal: projeto é nacional e não pode ser posto em risco

O vice-presidente da Infraestruturas de Portugal, Carlos Fernandes, sublinhou que a alta velocidade é “o projeto mais importante dos próximos 50 anos” e que não pode ser comprometido por divergências locais.

Carlos Fernandes explicou que:

  • O traçado aprovado ambientalmente define corredor onde ambas as soluções — enterrada e à superfície — são tecnicamente possíveis.
  • A solução enterrada em Santo Ovídio resultou da primeira fase de estudos da IP, mas tem grandes complexidades técnicas e custos elevados.
  • O consórcio privado, no âmbito da parceria público-privada, apresentou uma otimização que permite estação à superfície, hoje em avaliação ambiental.

O responsável destacou ainda que a prioridade absoluta é manter calendário, consenso político e sustentabilidade financeira do projeto Lisboa–Porto.

Com base nos dados adquiridos, os especialistas concordaram que a estação de alta velocidade deve ser planeada não apenas como infraestrutura de transporte, mas como um fator de desenvolvimento urbano, capaz de gerar valor para a cidade e seus habitantes, equilibrando acessibilidade, segurança e eficiência operacional.

Os participantes presentes no auditório tiveram ainda oportunidade de colocar perguntas aos especialistas e de expressar os seus pontos de vista, que foram prontamente ouvidos e colocados em análise, resultando numa sessão altamente enriquecedora sobre um tema que constitui particular relevância para o futuro da mobilidade e da Engenharia em Portugal.

Entre as questões iniciais, os participantes criticaram a evolução de estudos antigos, incluindo propostas que colocavam a estação de alta velocidade na Boavista ou em Devesas, e pediram explicações para a mudança para o novo modelo que prevê duas estações próximas: Campanhã e uma nova estação em Gaia. Surgiram preocupações sobre redundâncias, custos e potenciais impactos urbanísticos, incluindo risco de dispersão da mancha urbana.

A operação ferroviária foi um dos temas mais discutidos. Vários intervenientes sublinharam que a nova solução em Santo Ovídio/Gaia não pode funcionar como uma “simple piadeira”, mas sim como uma estação plenamente operacional, capaz de garantir integração com o metro e outros modos. Foi reforçada a diferença entre uma estação completa e um apeadeiro, com impacto direto na flexibilidade dos futuros operadores.

Álvaro Costa e Paulo Pinho destacaram ainda a configuração polinucleada do Porto e a baixa proporção populacional da cidade face à Área Metropolitana, um caso “sui generis” na Europa, defendendo que a localização das infraestruturas deve considerar esta especificidade histórica e urbana.

O vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, respondeu a críticas sobre decisões técnicas e explicou por que razão soluções antigas não foram retomadas. Sublinhou que os estudos da IP foram feitos à escala de estudo prévio e que é nas fases de otimização realizadas pelas concessionárias que surgem alternativas antes invisíveis, como a nova proposta em Gaia. Reforçou ainda que Campanhã é indispensável por ser o principal hub do Norte, permitindo ligação à Linha do Minho, ao eixo Braga–Guimarães, ao Douro e ao futuro Porto–Vigo.

A escolha de duas estações - Gaia e Campanhã - foi justificada com a necessidade de dispersão de passageiros e com o facto de a paragem em Gaia acrescentar apenas dois a três minutos ao percurso, já que o comboio se encontra em desaceleração para chegar ao Porto.

Vários participantes questionaram a ausência de integração da carga no projeto, mas a IP clarificou que não existem mercadorias de “alta velocidade” e que a estratégia nacional, alinhada com a Europa, passa por libertar capacidade da Linha do Norte ao transferir os serviços rápidos para a nova LAV.

O debate encerrou com apelos à decisão política final, críticas à possibilidade de repetir discussões que se arrastam há décadas e a defesa de que o Porto e Gaia precisam de soluções ferroviárias dignas e estrategicamente consistentes com os objetivos europeus de mobilidade até 2030.

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