Pouco a pouco, vão ‘acordando’ de um sono profundo, induzido pelo tempo. Entre eles, alguns exemplares de grande valor: um livro de Gustave Eiffel, referente à Exposição Universal de 1867, realizada em Paris, ou as “Obras sobre Mathematica”, do reconhecido matemático português Francisco Gomes Teixeira. E é vê-los, cuidadosamente organizados, a repousarem, à média luz, nas estantes da Biblioteca da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (BFEUP). São milhares de livros, monografias, periódicos e outras publicações de natureza iminentemente técnica que dão corpo ao espólio bibliográfico da Ordem dos Engenheiros - Região Norte (OERN), permanecendo disponíveis para consulta pública, num evidente desafio lançado aos que não resistem a viajar pela história da engenharia portuguesa (e não só).
As obras de reabilitação realizadas, há alguns anos, na sede regional funcionaram como “um primeiro alerta” para o vasto leque de volumes adquiridos ou doados à associação profissional ao longo do tempo. “O espólio, que estava armazenado num dos pisos do edifício, teve de ser retirado”, explicou Pedro Mêda, do Conselho Diretivo da OERN, acrescentando que foram necessárias centenas de caixas para guardar provisoriamente todo o material. Face ao surpreendente volume de publicações, os dirigentes não tiveram dúvidas e decidiram lançar, literalmente, ‘mãos à obra’. Até porque, como recordou o responsável, “um documento que é inacessível ou de difícil acesso perde-se, sumindo-se, assim, um pedaço de História”. Ora, se um dos desafios assumidos pela Ordem passa pela valorização e dignificação da profissão de engenheiro, “olhar para o passado” é – defendeu – um fator essencial. “Só podemos saber para onde vamos se soubermos de onde vimos. E este espólio não estava preparado para comunicar aquilo que é a história da engenharia e dos engenheiros”, resumiu, sublinhando que “prestigiar a profissão faz-se não só dando relevo às pessoas que constituíram o espólio, mas catalogando-o e colocando-o disponível à comunidade”.
O acervo da OERN está assim desde 2016 na BFEUP. “Precisávamos de um local com as condições necessárias ao acolhimento dos livros e percebemos que a BFEUP seria uma ótima opção porque, por um lado, situa-se perto da OERN, por outro, é detentora de um espólio enorme e muito bem organizado”, justificou, realçando ainda a oportunidade de se completarem coleções inacabadas, através do cruzamento de obras dos dois acervos.
A variedade de documentos que integram o espólio é, assim, uma inegável mais-valia reconhecida ao acervo bibliográfico da OERN. Que o diga Alexandre Simões, responsável pelo tratamento documental do fundo histórico (assumindo as tarefas de catalogação, indexação, finalização e limpeza das obras). “Há monografias, separatas de congressos, promovidos pela Ordem e por outras entidades ligadas à engenharia, milhares de periódicos, que vou começar, agora, a analisar, e sebentas, usadas antigamente para divulgar as matérias”, descreveu. Os temas das publicações, esses, também são diversos. No entanto, no topo da lista surgem as temáticas dos caminhos de ferro, geologia, engenharia civil, materiais de construção, agricultura e hidráulica. “Há muitos livros sobre os caminhos de ferro porque uma parte das doações remonta ao final do século XIX e início do século XX. Neste período, registou-se uma grande evolução ao nível da engenharia civil (com as obras públicas de âmbito nacional e municipal), sobretudo através da construção de infraestruturas como a ferroviária e a de abastecimento de água. O desenvolvimento do tecido industrial fomentou também a engenharia mecânica, com a construção de maquinaria, locomotivas e o aperfeiçoamento da máquina a vapor”, elucidou Pedro Mêda, sublinhando que o acervo é, deste modo, um reflexo tecnológico de Portugal num dado momento da sua história.
Não será, assim, de estranhar que o espólio contenha obras sobre a questão da florestação do país, as colónias portuguesas, a problemática das “imundícies” na cidade do Porto, o planeamento urbano ou as redes de saneamento, num emaranhado de pistas que permitem “perceber as origens e a história da engenharia em Portugal e no mundo”. Curiosamente, o livro mais antigo, de 1837, é sobre zoologia, exibindo coloridas ilustrações das mais diversas espécies animais. No rol de antiguidades constam ainda o “Manuel de l’ingénieur des ponts et chaussées”, de A. Debauve, cujos fascículos foram publicados entre 1872 e1876, ou o “Traité de la construcion des ponts”, obra de M. Gauthey (1845). Claro que, entre as publicações disponíveis, não faltam obras de vários ex-bastonários da Ordem dos Engenheiros, nomeadamente de Manuel Coelho Mendes Rocha, que liderou a Sociedade Internacional de Mecânica das Rochas entre 1966 e 1970.
Segundo defendeu Pedro Mêda, o fundo documental da OERN está, agora sim, a cumprir o seu objetivo: “comunicar com os membros, com a comunidade estudantil, designadamente a da Universidade do Porto, que o pode requisitar, e com o público em geral, que o poderá consultar”.
Membros podem aceder ao espólio físico e digital
Ainda que a maior parte da coleção da biblioteca possa ser consultada pelo público em geral, a requisição de obras só pode ser efetuada pela comunidade académica e pelos membros da OE. “Qualquer pessoa, independentemente de pertencer à escola ou à Ordem, é bem-vinda. A diferença reside no momento em que se decide pegar na informação e levá-la para casa. Aqui, é necessário haver um registo e uma relação institucional”, esclareceu Luís Miguel Costa.
No caso dos membros da OE, a requisição de documentos exige apenas uma inscrição (efetivada em poucos minutos, depois de confirmado o vínculo à associação profissional). O acesso ao acervo electrónico, que representa cerca de 65% da informação disponibilizada, só pode ser feito (nos computadores da biblioteca) mediante a atribuição de uma conta de utilizador (processo que demorará, no máximo, uma semana).
De resto, a porta do espaço, de abertura automática, estará constantemente a convidá-lo a entrar e a fazer parte de uma história que atravessa gerações, à boleia da paixão pela engenharia.

