Na segunda-feira, 28 de abril, pelas 11h33, Portugal continental ficou sem eletricidade durante largas horas. O colapso energético paralisou praticamente o país e afetou a vida de milhões de portugueses e de empresas.
Temos que trazer obrigatoriamente este tema para o domínio da engenharia, porque o que observamos é um acontecimento relevante do ponto de vista das implicações para o funcionamento da sociedade e, consequentemente, também para o domínio da segurança e da defesa.
Temos muito para aprender com aquilo que não é um simples exercício, mas uma realidade que colapsou sobre nós. Observando atentamente o que se passou, podemos identificar quatro sistemas que se definem como sistemas de resiliência máxima e que nunca podem falhar.
"O sistema de segurança pública é um dos que não pode falhar, seja qual for a circunstância."
O primeiro é o sistema de segurança pública. Este sistema garante a segurança das pessoas e dos seus bens. Ora, quando um evento desta natureza provoca o colapso de um dos sistemas críticos, é fundamental manter a
serenidade e garantir a visibilidade das forças de segurança.
Os portugueses perceberam que as forças de segurança responderam em tempo útil e estiveram presentes nos locais necessários. Portanto, o sistema de segurança pública é um dos que não pode falhar, seja qual for a circunstância.
O segundo é o sistema dos hospitais e da emergência médica.
Na verdade, testámos apenas a reação deste sistema à falta de energia. Um terramoto de grandes proporções teria testado plenamente a capacidade de resposta do sistema de emergência e dos hospitais. Verificou-se que alguns geradores não possuem depósitos de combustível com a capacidade adequada e, portanto, há aqui um conjunto de detalhes que devem ser afinados e padronizados.
O terceiro é o sistema de resgate e socorro às vítimas.
Houve pessoas que ficaram presas em elevadores durante várias horas. O resgate e o socorro às vítimas é uma missão para a qual temos que estar preparados, em qualquer circunstância.
Por fim, o quarto é o sistema de informação pública, habitualmente não incluído na lista. As pessoas precisam de estar informadas do que se está a passar. E a rádio foi mais uma vez importante.
"É fundamental manter quatro sistemas com resiliência máxima: segurança pública, hospitais e emergência médica, resgate e socorro às vítimas e informação pública."
No entanto, o paradigma da sociedade moderna é que já não utilizamos rádios portáteis, mas sim os telemóveis e a internet. Portanto, é através destes meios que a informação deve ser difundida, e não apenas através dos rádios, que muitos de nós possuímos e funcionam muito bem, mas não estamos em casa para os ouvir. Os telefones fixos já não funcionam da mesma forma que antigamente, pois utilizam tecnologia IP (internet). Este sistema tem que ser repensado.
Se o sistema de informação pública falhar, surgirão filas desnecessárias nos supermercados.
Mas se a população souber que o sistema crítico está a ser reposto, não haverá necessidade de correr para os estabelecimentos comerciais. Portanto, é fundamental manter estes quatro sistemas com resiliência máxima: segurança pública, hospitais e emergência médica, resgate e socorro às vítimas e informação pública.
Depois, há o que se designa por sistemas críticos.
Os sistemas críticos são aqueles que proporcionam qualidade de vida às pessoas. Ou seja, a sua ausência, a sua inoperância ou o não acesso a eles provoca transtorno e um grande desconforto na vida da população.
Normalmente, as pessoas não morrem diretamente por falha destes sistemas, mas eles têm um impacto enorme no funcionamento da sociedade e da economia.
Os sistemas críticos são três.
O sistema elétrico, o sistema de telecomunicações móvel e o sistema de abastecimento de água. Todos eles interligados.
Sabe-se que estes sistemas falham em cascata. Quando o sistema elétrico falha, cerca de 1 a 3 horas depois o sistema de telecomunicações móveis começa a falhar e, de seguida, inevitavelmente, o sistema de abastecimento de água colapsa.
Por conseguinte, a rapidez com que formos capazes de repor o sistema elétrico é determinante para evitar o colapso dos sistemas que dele dependem. É fundamental termos a noção da importância da celeridade na reposição do sistema elétrico.
"Se os autocarros fossem todos elétricos, não teria sido possível a retirada das pessoas de Lisboa. É importante considerar estas questões."
Relativamente ao sistema de telecomunicações móveis, ele falha por três razões principais. A primeira é que, perante uma situação anormal, a tendência é que as pessoas procurem fazer chamadas telefónicas, o que leva à congestão da rede, que não está dimensionada para um volume tão elevado de comunicações simultâneas.
A segunda é que as baterias que alimentam as antenas de rede, espalhadas por todo o país, têm uma autonomia limitada. Se a energia elétrica não for restabelecida rapidamente, as antenas deixam de funcionar e a comunicação móvel fica comprometida.
Finalmente, a terceira é que a maioria de nós não tem os telemóveis totalmente carregados.
Muitos utilizadores têm a bateria a 30% ou 20% e, em caso de falha de energia prolongada, os telemóveis acabam por ficar sem carga, a menos que se tenha um carregador portátil (power bank) para os carregar.
Após estes, segue-se o sistema de abastecimento de água.
É um sistema que não falha de forma uniforme devido à distribuição dos depósitos de água pelo país. No entanto, o abastecimento acaba por ser afetado, porque não é apenas o sistema de bombagem que falha, mas também o sistema de tratamento, que garante a qualidade da água para consumo.
Ainda temos os subsistemas críticos.
São subsistemas que, embora estejam num nível abaixo dos sistemas críticos, também podem provocar o caos na sociedade. Um deles é o sistema de transporte.
Se os autocarros fossem todos elétricos, não teria sido possível a retirada das pessoas de Lisboa. É importante considerar estas questões.
A aposta exclusiva na eletrificação, como se viu, pode levar à paralisação do metropolitano e dos comboios, dificultando a mobilidade da população. Atente-se a este pequeno exemplo, onde a simples falha dos semáforos fez com que um percurso normal de automóvel de 10 minutos se transformasse em 2 horas, com risco acrescido de acidentes.
Portanto, devemos analisar a sociedade sob o ponto de vista da sua resiliência, pois quando dependemos exclusivamente de um único sistema, aumentamos a nossa vulnerabilidade em termos de segurança e de defesa.
"Devemos analisar a sociedade sob o ponto de vista da sua resiliência, pois quando dependemos exclusivamente de um único sistema, aumentamos a nossa vulnerabilidade em termos de segurança e de defesa."
O sistema aéreo, por exemplo, demorou muito tempo para recuperar a sua normalidade.
Por último, outro subsistema crítico que importa mencionar é o abastecimento de combustível.
Os geradores, que servem de backup aos sistemas elétricos, precisam de combustível para funcionar. Por conseguinte, o abastecimento de combustíveis é também um subsistema crítico e muitas vezes pouco valorizado.
Os portugueses estão de parabéns por terem conseguido enfrentar, sem aviso prévio, este teste difícil, e no dia seguinte voltarem à sua vida normal.
Finalmente, é justo reconhecer o trabalho dos engenheiros que trabalham nas empresas elétricas da REN, E-REDES, EDP e outras, certamente cruciais e aqui não mencionadas, que resolveram o problema do apagão e conseguiram repor todo o sistema elétrico nacional sem ajuda externa.
Note-se que o sistema elétrico é extremamente complexo, envolve milhares de equipamentos tecnológicos e exige operações de grande responsabilidade e o cumprimento de exigentes normas de segurança e qualidade.
Mário de Almeida (i)
Fonte: Rádio Observador, Domínio da Guerra, Maria João Simões e o Major-General Arnaut Moreira (ii)
(i) Mário de Almeida, Engenheiro eletrotécnico sénior, Mestre em energia e sistemas elétricos pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Coordenador do Colégio Regional de Engenharia Eletrotécnica da Ordem dos Engenheiros da Região Norte (2022-2025) e atual Vogal do Colégio de Engenharia Eletrotécnica da Ordem dos Engenheiros (2025-2028).
(ii) Major-General Arnaut Moreira, nascido em Coimbra em 1959. Licenciado pela Academia Militar e pelo Instituto Superior Técnico. Diplomado pelo Collège Interarmées de Défense, Paris. Oficial de Intelligence na NATO, em Madrid. Subdiretor-geral de Política de Defesa Nacional. Chefe do Gabinete do Ministro da Defesa Nacional. Diretor de Comunicações e Sistemas de Informação do Exército. Professor de Geopolítica e
Geoestratégia no Instituto de Altos Estudos Militares e na Universidade Nova.