A conversa entre Domingos Lopes, professor associado da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e José Filipe Vilas Boas, Delegado Distrital da Ordem dos Engenheiros de Vila Real centrou-se na importância da floresta portuguesa, na sua diversidade e nos desafios que enfrenta, sobretudo no que toca à recorrência dos incêndios que têm assolado o país.
Domingos Lopes começou por sublinhar que “Portugal é um país pequeno, mas com enorme diversidade de paisagens e desafios”. Explicou que, apesar dessa diversidade, a floresta portuguesa é “pintada de relativamente poucas cores”, dominada a norte pelo pinheiro e pelo eucalipto e a sul pelo sobreiro e pela azinheira. Esta homogeneidade, observou, torna o ecossistema mais vulnerável e dificulta o combate aos problemas estruturais. Ainda assim, reforçou a importância económica e ambiental das florestas, que são “um recurso de enorme relevância para o equilíbrio e qualidade de vida do país”.

Quando questionado sobre as razões pelas quais Portugal enfrenta tantos incêndios rurais, especialmente no norte, o engenheiro afirmou que se trata de “um problema de enorme complexidade, sem uma única causa”. Entre os fatores mais determinantes, apontou a falta de gestão profissional das florestas, a fragmentação das propriedades, o envelhecimento da população e o abandono das zonas rurais. Acrescentou que “é o país que não tem conseguido criar políticas que olhem profundamente para a génese dos problemas”, lamentando que “o território infelizmente não vota — e se votasse, já teríamos soluções mais rápidas”.
Outro dos aspetos abordados foi a dificuldade que muitos proprietários enfrentam na manutenção das suas terras. As exigências legais de limpeza das matas representam custos que raramente são compensados por rendimentos. “Eles não conseguem vender o material que sai da limpeza nem o material que está dentro da floresta”, explicou, sublinhando que a ausência de circuitos económicos eficientes agrava o abandono e o desinteresse pela gestão florestal.
A conversa evoluiu depois para o dilema entre investir mais no combate ou na prevenção. Domingos Lopes afirmou não ter dúvidas de que a resposta está na prevenção. Para o engenheiro, é essencial promover a gestão ativa dos espaços naturais e aproveitar os resíduos florestais para gerar energia localmente, por exemplo no aquecimento de escolas e piscinas. Defendeu uma lógica de proximidade, na qual as comunidades valorizem os seus próprios recursos em vez de dependerem de grandes estruturas centralizadas.
O convidado destacou também a necessidade de diversificar as espécies florestais, introduzindo maior variedade e tornando a paisagem mais resiliente e atrativa. “Mesmo nas áreas dominadas por pinhal e eucalipto, é possível compatibilizar com espécies autóctones". Recordou o caso da Serra da Lousã, onde as monoculturas e a proliferação de acácias invasoras aumentam significativamente o risco de incêndio, defendendo que a diversificação é tanto uma necessidade ecológica como uma oportunidade estética e económica.
Para Domingos Lopes, a engenharia é parte essencial da solução. “A engenharia florestal é estruturante, mas a agronómica e a civil são também fundamentais”, afirmou, explicando que o problema dos incêndios requer uma abordagem multidisciplinar. Sublinhou que o desafio demográfico, o envelhecimento da população e o despovoamento do interior, exige uma aposta clara em inovação tecnológica e monitorização.
O convidado referiu ainda projetos em curso na UTAD que envolvem o uso de sensores e ferramentas digitais para monitorizar os territórios e antecipar riscos. Sobre o planeamento territorial, Domingos Lopes destacou o "Programa de Transformação da Paisagem", criado após os incêndios de 2017, como uma tentativa de diversificar o uso do solo e antecipar o risco. No entanto, lamentou que estes planos “continuem a ser conceptuais”, sem tradução prática na gestão quotidiana.
A conversa terminou com uma reflexão sobre o ensino da engenharia florestal e o desinteresse dos jovens por esta área. Apesar dos esforços das universidades, o curso continua a ter pouca procura. “Temos feito campanhas, ido às escolas, participado em feiras e não temos conseguido atrair alunos”, lamentou o professor, acrescentando que “os jovens ainda não se aperceberam do fantástico que é trabalhar com o território”. Para Domingos Lopes, a engenharia florestal é “uma biologia aplicada com impacto real”, com grande relevância social e profissional, mas que ainda não é percebida como tal pelos estudantes.