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Apresentação do Livro do Prof. Adriano Vasco Rodrigues:“História Breve da Engenharia Civil”
10 de agosto de 2007 | Geral
Edição da Ordem dos Engenheiros – Região Norte 7 de Julho de 2007 por: Luís Braga da Cruz Prof. Convidado da FEUP, Presidente da Assembleia Regional da Ordem dos Engenheiros 1.Introdução O Eng. Gerardo Saraiva pediu-me para dizer algumas palavras na cerimónia de apresentação do livro do Prof. Adriano Vasco Rodrigues, cuja edição em bom momento a direcção regional da Ordem dos Engenheiros decidiu patrocinar. É costume numa ocasião destas falar do livro, do autor e da própria iniciativa. Não faltarei à regra, embora deva prevenir que a minha pronta aceitação deveria ter sido mais prudente, visto não ter tido o tempo necessário para fazer uma leitura tão ponderada como o livro reclamava. No entanto, foi o suficiente para me aperceber da estrutura do livro, da qualidade com que o tema é tratado e, sobretudo, se me assumir como engenheiro, que o prazer da leitura recomenda que ele seja lido como se de um prazer se tratasse e não de uma obrigação, a mata cavalos, só para dizer que a tarefa está cumprida. Não, o livro merece uma leitura calma e descontraída. Porque tem um estilo elegante e agradável, é erudito sem ser pesado, ajuda a relacionar conhecimentos e contribui para a compreensão da evolução da nossa profissão e do contributo que ela deu para a construção de um modelo civilizacional em que nos revemos e de que nos orgulhamos. Também nos conforta, porque nos confirma que as manifestações da Engenharia Civil e a evolução da arte de ser engenheiro em Portugal não desmerecem do que ocorreu a nível global. Este tema é também referido por outros autores, como por exemplo o Prof. Laginha Serafim . O livro revela claramente que a Engenharia Civil Portuguesa acompanhou o desenvolvimento da Engenharia a nível mundial e que, em alguns domínios específicos apresentou contributos activos e decisivos para o seu progresso, tais como nos domínios das pontes e das barragens. 2.Da matéria do livro – A História da Engenharia Civil O livro mostra que há uma relação directa entre a História da Engenharia Civil e a própria História da Civilização, não esquecendo que civilização e progresso tem elementos comuns e que se conjugam com a preocupação que a Engenharia sempre teve de se desenvolver a partir da necessidade do homem dominar os efeitos aleatórios dos elementos naturais e contribuir para o bem estar da humanidade. É também indispensável ter a noção que qualquer pequeno avanço no conhecimento técnico, por irrelevante que tenha sido, pode ter demorado muito tempo a ser internalizado nas práticas construtivas e a ser difundido universalmente. Isto foi assim na antiguidade clássica, mas continuou a ser assim no período do Renascimento e até nos nosso dias. A única variável que mudou, ao longo dos milhares de anos que correspondem ao período da civilização humana, foi o tempo necessário para que a inovação associada a cada nova prática se difunda e seja adquirida no quotidiano. Podia levar alguns séculos no tempo do Crescente Fértil, algumas dezenas de anos no Renascimento, e ser divulgada á velocidade da internet nos dias de hoje. Um simples exemplo. Esclarecer o forma como as distribuição das tensões se fazia na secção de encastramento de uma consola com uma carga na ponta, foi um problema magno da mecânica, sobre o qual discorreram muitos notáveis físicos e homens de cultura (Galileu, Leonardo da Vinci, Coulomb e Navier) durante duzentos anos até ficar completamente resolvido. No entanto, nos séculos XVI e XVII muitas e grandes realizações construtivas se consumaram, até com introdução de importante inovação, sem que o conhecimento estivesse evoluindo na mesma proporção. Pode dizer-se que o mundo da ciência e o mundo da técnica tiveram desenvolvimentos paralelos, mas sem que o resultado do progresso científico e do seu rigor tivesse tido directo impacto nas técnicas da engenharia. Tal só veio a acontecer plenamente no século XVIII e XIX. Em período de grande progresso técnico era a experiência transmitida que prevalecia, podendo ser atribuída importância fundadora a novos conceitos, a novas práticas ou a novas descobertas. A História da Engenharia atribui especial importância a esses momentos de criação que têm forte impulso no progresso das técnicas construtivas. Encontramos isso na passagem das pesadas padieiras de pedra que venciam vãos curtos, na construção egípcia e grega, para os arcos que permitiram vencer vãos muito mais abertos. Outras vezes pequenas descobertas tiveram forte impacto no crescimento urbano e na afirmação comercial das cidades. Por exemplo, o rápido crescimento urbano de Roma a partir do século I (a. D.), fez crescer a procura de bens e serviços na capital do império. A necessidade de sustentar o crescimento económico era cada vez maior. Roma assumia-se como plataforma central do comércio, tanto da bacia do Mediterrâneo como dos territórios que dela dependiam. Hoje atribui-se uma importância decisiva para o suporte do crescimento de Roma à invenção das argamassas, antepassadas do nosso betão, cujo ligante hidráulico era a cinza vulcânica puzolânica. A cinza vulcânica era uma matéria prima abundante. A oportunidade de recorrer a um material de consistência plástica, moldável a formas caprichosas, que ganhava presa e consistência em pouco tempo, constituiu importante inovação técnica. E, sobretudo, permitiu construir mais depressa e com mais economia. Da mesma forma foi de fundamental importância a vulgarização, desde o tempo dos romanos até á descoberta da electricidade, do cadernal ou guincho (quaternalis), que demultiplicando uma força quatro vezes e assim permitindo a elevação de cargas com menor esforço. Com o final do século XVI e início do XVII chegam as primeiras formas rigorosas de representar o território em planimetria, com aplicação da trigonometria. Leonardo Zubler (1563-1609), conseguiu medir com rigor alturas e comprimentos à distância, a partir da leitura de ângulos e de cálculos indirectos e fez a representação gráfica dos acidentes de um terreno. Por esta altura parecem as primeiras atribuições da designação de Engenheiro, como forma de diferenciar a função da função de um arquitecto. Domenico Fontana (1543-1607) é considerado engenheiro porque: • colocava engenho na busca das soluções para os problemas técnicos que lhe eram colocados; • ocupava-se tanto da construção de estradas, pontes, aquedutos, edifícios ou fortificações militares; • punha em evidência que a organização era decisiva para obter as melhores e as mais práticas soluções; • tinha a preocupação de fazer cálculos e aplicar conhecimentos de matemática e geometria na defesa das suas soluções. O caso mais conhecido, foi o concurso que o papa Sixto V abriu e que Fontana ganhou, para remover e deslocar em 1586, como um todo, o obelisco que está hoje no centro da praça de São Pedro, no Vaticano. Foi necessário transferir este obelisco desde o Circus Maximus, onde que se encontrava colocado desde os tempos da antiga Roma. Os trabalhos preparatórios levaram sete meses e foram minuciosamente preparados, implicando a construção de um enorme cavalete de madeira, uma operação muito bem coordenada e faseada: descer o obelisco para a posição horizontal, transportá-lo sobre rolos num aterro expressamente construído ao longo de Roma, com rotações em curvas a 90 graus, apara o reposicionar de novo na Praça de São Pedro. Tudo reclamou muita coordenação de esforços e meios poderosos de tracção. Os conceitos usuais da mecânica e da Resistência dos Materiais, tais como a noção de força como unidade direccional ou vectorial, representavam grandes abstracções. Galileu classificava o conceito de força como se tratasse de uma gravidade não vertical. As hoje triviais decomposição de forças, ou o problema da flexão foram sendo desenvolvidos progressivamente. Havia um gosto pelo conhecimento geral, mas não estávamos ainda perante a necessidade da especialização. Havia uma clara separação entre distintas preocupações. Por um lado, tínhamos o desenvolvimento progressivo teórico da Matemática, da Física, da Geometria, da Mecânica, enquanto por outro lado se consolidavam as regras práticas de construção e se vulgarizavam técnicas industriais. Tratava-se, por assim dizer, de dois mundos com desenvolvimentos não sobrepostos. O engenheiro arrumava-se mais no segundo campo do que no primeiro, mas começava a perceber a importância do contributo do conhecimento científico para as soluções técnicas dos problemas. O advento da Engenharia Civil começa a fazer sentir-se no século XVII, sobretudo com o avanço do conhecimento dos materiais e das suas propriedades. Vasari (1512-1574) discutia as variedades de pedras mais usuais e disponíveis para uso na construção e distinguia-as em função das suas propriedades e por critérios petrográficos. Mais tarde, evoluiu-se para uma classificação segundo a capacidade de resistir aos esforços exteriores. Ensaios e testes de resistência à compressão, tracção e flexão são feitos sobre amostras de materiais, por Galileu (1564-1642). Mariotte, mais tarde, ao estudar a flexão, teve a noção da importância do módulo de Inércia nas secções rectas das peças flectidas. Hooke investiga o comportamento dos corpos elásticos. Vauban (1633-1707) difunde as novas soluções no desenho de fortificações militares defensivas. Vale a pena deixar aqui uma referência, que o autor também não deixa escapar no seu livro, para a importância do enquadramento das soluções de Engenharia em função das condicionantes, topográficas do local ou específicas da natureza da obra, sabendo-as adaptar de forma óptima de maneira a garantir o equilíbrio entre três desígnios fundamentais a que deve obedecer a melhor solução: resultar ao menor custo, concluí-la no menor prazo de execução e sem prejudicar a padrões de elevada qualidade. 3.Do autor O que pode e deve ser dito do autor? Em primeiro lugar, que o facto de não ser engenheiro civil não o impede de falar com propriedade da história da profissão dos engenheiros. E a razão é simples. É que Adriano Vasco Rodrigues é historiador. Licenciou-se em Ciências Históricas e Filosóficas e adquiriu formação especializada e complementar, sobretudo no exterior. De facto, teve experiências profissionais relevantes em locais muito diversificados. Andou por Espanha, Alemanha, Bélgica e Angola. Trabalhou no domínio da Arqueologia em alguns destes países. Regeu cursos na Universidade do Porto, na Universidade Livre e na Universidade Portucalense. Concorreu e foi admitido com director na Schola Europaea da União Europeia, na Bélgica, em dois anos lectivos. Exerceu funções públicas no campo da sua especialidade: • em Angola (1965/69; Departamento de Pré-História do Instituto de Investigação Cientifica de Angola), • no Porto (1973; Presidiu, como Vereador, à Comissão Municipal de Arte e Arqueologia) e • em Lisboa (1985/88; dirigiu o Gabinete de Recuperação do Teatro Romano). Ficaram conhecidas as suas posições em defesa do património construído, em especial na cidade do Porto. A Câmara Municipal reconheceu o seu esforço e atribuiu-lhe a Medalha de Ouro da cidade em 1994. Tem vasta obra publicada. Além de trabalhos monográficos e publicações diversos, devem destacar-se as seguintes obras de tomo: • “Arqueologia da Península Ibérica” (1960, com várias reimpressões); • “História Geral da Civilização, em dois volumes” (em oitava edição); • “Os Lusitanos, Mitos e Realidade” (1988). Tudo isto confere autoridade ao Prof. Adriano Vasco Rodrigues, como pessoa de ciência e de saber, mas também como comunicador e vulgarizador de reflexões feitas em torno de temas ligados com a história da experiência humana. São, por isso mesmo, boas razões para o acertado convite que a Região Norte da Ordem dos Engenheiros lhe dirigiu para escrever um livro que conte “de onde vimos e o que fizemos”. 4.Do conteúdo do livro Como não podia deixar de ser a estrutura do livro, sendo um livro de história, leva-nos a um percurso pelos grandes períodos da história da humanidade. Não esquece a importância dos primórdios da humanidade e sublinha a especificidade do período megalítico na parte atlântica da Península. Leva-nos a compreender o caracter fundador da Antiguidade Clássica e a forma como os seus padrões se dispersaram pelo mundo romano. Discorre sobre os momentos do nascimento da Europa e sobre a relação das ordens monástica na difusão de conhecimentos e de novas técnicas construtivas, no período do Românico e do Gótico. Reconhece o Renascimento como uma nova fase de abertura para os valores do humanismo, de pesquisa e de recuperação das manifestações culturais e técnicas do Mundo Antigo. Não esquece a origem da Engenharia da construção pela via da sua ligação com as técnicas das fortificações militares e mostra como a afirmação de Portugal no Mundo passou pela construção de fortalezas, como pontos de apoio ao desenvolvimento do comércio marítimo português. Faz-nos um percurso pelas manifestações mais recentes da engenharia, sobretudo, depois do início da era industrial, reservando pequenos capítulos para cada tema. O livro está bem documentado com o recurso a esquemas, desenhos e imagens fotográficas, o que torna a leitura agradável e fácil. Termina com uma breve referência à génese e à evolução da própria Ordem dos Engenheiros. 5.Da iniciativa Poderá ser discutível sobre o que seria mais desejável escrever sobre a História da Engenharia Civil. Se recorrer ao enfoque mais técnico de um engenheiro, ou à abordagem de pendor mais cultural de um historiador. Pelo que ficou dito, parece ter sido perfeitamente justificada a opção feita pela Direcção da Região Norte da Ordem dos Engenheiros. A abordagem seguida foi suficientemente abrangente para ter a garantia de não ter esquecido nenhum dos mais importantes domínios da Engenharia Civil. Faz referência às grandes realizações mundiais e nacionais e não esquece as implicações que a evolução das métodos construtivos tiveram nas soluções técnicas. O resultado desta obra é, bem entendido, uma visão do historiador sobre as realizações dos engenheiros de ontem, mas também de hoje. Estes, nos quais nos incluímos, são os herdeiros de uma tradição secular de gerações de construtores que foram, conforme refere o autor, “pilares de desenvolvimento e de progresso da Civilização Ocidental”. Como resultado desta opção temos um livro que valorizou o objectivo a que a Ordem se propôs - “Levar os engenheiros a terem respeito pelas suas próprias realizações, contribuindo assim para a sua auto-estima e para a dignificação da sua profissão”. Merece ser exaltada a decisão da Direcção da Região Norte da Ordem e a sua concretização por parte do Colégio de Engenharia Civil, bem como o empenho pessoal dos seus animadores: os colegas Hipólito de Sousa, António Matos de Almeida e Paulo Ribeirinho Soares. Resta-me recomendar um leitura tranquila e enriquecedora de tão excelente livro.
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