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ENTREVISTA A JOÃO FALCÃO E CUNHA, DIRETOR DA FEUP

14 de abril de 2020 | Geral

Ciclo de entrevistas exclusivas da Plataforma de Notícias da OERN (HaEngenharia.pt) aos diretores das instituições de ensino de Engenharia, reitores das Universidades e presidentes dos Institutos Politécnicos.

 

 

João Falcão e Cunha, diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) assume que "esta experiência de trabalho e educação a distância em larga escala vai mudar a forma como nos habituámos a estudar, trabalhar e viver". Assegura-nos também que a FEUP está já a trabalhar para que as atividades presenciais possam ser retomadas "de forma faseada, começando pelas atividades de investigação e pelos laboratórios, com aulas e provas com poucos estudantes em cada sala."

 

O diretor da FEUP lembra no entanto que,  apesar de haver Engenharia em tudo, "os engenheiros devem compreender os seus limites e envolver outros profissionais" e exemplo disso são as iniciativas que os investigadores da FEUP estão a desenvolver envolvendo diversas entidades e empresas nacionais

 

 

Muitas vezes ouvimos dizer que os académicos não sabem fazer, apenas ensinam a fazer. Com esta pandemia temos assistido exatamente ao contrário: alunos, professores, investigadores estão ativamente a produzir viseiras, máscaras, ventiladores e muitos outros materiais que ajudam a salvar vidas. Como vê os projetos que a FEUP está a desenvolver neste enquadramento?

Julgo que todos os profissionais com ideias para ajudar a superar as dificuldades existentes, e com a capacidade para as desenvolver, estão a trabalhar durante esta crise superando muitas vezes algumas ideias que podiam existir. Tal se aplica também aos académicos engenheiros da FEUP que estão, em geral, muito habituados a dar respostas tecnicamente corretas aos problemas e com soluções úteis para a sociedade, com os recursos disponíveis, muito em particular de tempo. Algumas das iniciativas já tiveram resultados práticos, como é o caso das viseiras de proteção, outras estão prontas a ser usadas e dependem de algum tipo de certificação médica, caso dos ventiladores de pandemia, e há diversos outros projetos em curso que estão ainda em fase de conceção e teste, mas que eu espero que possam ter contributos práticos muito importantes em breve. De qualquer forma a expetativa que tenho para os estudantes e Alumni da FEUP é que estejam sempre a aprender, e dessa forma poderem fazer melhor do que nós!

 

 

A AIMMAP – Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal e o ‘cluster’ do setor, designado ‘Metal Portugal’, estão a participar também no desenvolvimento do ‘PNEUMA’, o protótipo de ventilador desenvolvido pelo INESC TEC e pela FEUP. O que significa para a FEUP este envolvimento fora da esfera académica?

O caso do PNEUMA resulta da experiência e conhecimento dos nossos investigadores, bem como de colegas de áreas de saúde, aplicada ao desenvolvimento de um ventilador simples, eficaz, seguro e de baixo custo. Vários protótipos têm sido construídos e testados, para melhorar as características referidas, em particular de segurança. A base de desenvolvimento é um projeto aberto que está a ser progressivamente melhorado. Têm sido usados componentes existentes no mercado ou recorrendo à sua impressão 3D e a primeira série de 10 ventiladores será construída por empresas com que tem havido permanente colaboração. A rede existente entre os nossos académicos e as empresas, muito dinâmica desde há muito tempo, permite também hoje uma resposta rápida sendo de esperar que estes primeiros ventiladores de pandemia possam começar a ser testados em situações reais nos próximos dias, com o objetivo de entregar posteriormente uma primeira série de 200 unidades. Cada nova experiência de trabalho multidisciplinar e em rede, geralmente com instituições externas, cria ou melhora o nosso conhecimento e permite-nos também melhorar as interações com estudantes e investigadores. Esta é a principal missão da FEUP sendo assim fundamental a colaboração e envolvimento com instituições externas.

 

 

Há uma exigência extra para os engenheiros, dos quais se espera pro-atividade e soluções para ajudar a combater o vírus? Espera que os seus alunos e ex alunos possam fazer a diferença?

A exigência é grande para todos. Os engenheiros, presentes e futuros, têm as suas responsabilidades neste domínio por terem capacidade de usar e desenvolver conhecimento científico em vários domínios e de o aplicar para obter soluções úteis, tomando decisões que envolvem grupos multidisciplinares. Os projetos em curso evidenciam a necessidade dos engenheiros trabalharem em conjunto entre si, nas várias especialidades, e de trabalharem com outros profissionais, com objetivos comuns. A criatividade para enfrentar um desafio é necessária, assim como é o bom senso para se respeitarem normas sociais e legais. É possível por exemplo construir sistemas de monitorização pessoal, recorrendo a georreferenciação, mas as soluções devem ser aceitáveis socialmente garantindo nomeadamente o respeito pela privacidade. É um equilíbrio que se espera na atividade dos nossos profissionais, e também dos Alumni da FEUP. Para além das competências técnicas é essencial a capacidade de inovação e o respeito por princípios éticos.

 

 

Que medidas seriam importantes tomar para que os jovens engenheiros e recém-licenciados possam ter oportunidades no mercado de trabalho no qual vai ser, naturalmente, mais difícil de entrar agora?

O emprego nas áreas de engenharia vai continuar a existir, embora algumas áreas de engenharia venham a ser afetadas mais negativamente. Do ponto de vista genérico, é preciso manter a comunicação com a sociedade e permitir que as empresas cheguem ao contacto com quem pode e quer trabalhar. Do ponto de vista dos jovens engenheiros e recém-licenciados continua a ser vantajoso ter flexibilidade para continuar a aprender e aplicar a experiência e conhecimento em áreas novas. Nesta altura particular as competências digitais são naturalmente muito relevantes. Considero ainda que a universidade e os estudantes finalistas devem trabalhar adaptando o que estão a fazer para se graduarem na altura prevista, e que a grande maioria o deve poder fazer até ao final do ano académico em julho para virem a dar o seu contributo para a sociedade e economia na altura em que vai ser preciso um esforço significativo.

 

 

Muitas startups começaram nos corredores da FEUP. Como vê o futuro destas, algumas muito dependentes de turismo e de empresas tecnológicas que se implementaram no Norte do país?

O impacto da crise certamente pode ser muito negativo para as novas empresas que estão a trabalhar nas áreas económicas mais afetadas, muito em particular na indústria e nos serviços. Devem assim recorrer aos mecanismos gerais de apoio que foram criados e que estão a ser criados. Muito vai depender também da situação em que estejam os seus acionistas ou de quem as financia. Como estas novas empresas têm normalmente muita flexibilidade acredito que muitas vão ser capazes de se adaptarem e sobreviverem à crise. A situação atual pode ainda permitir que surjam novas ideias que possam dar origem a novos negócios, que venham a perdurar.

 

 

 

 

As novas tecnologias e o ensino à distância provaram que há margem para outras formas de ensino que não o tradicional. Acredita que haverá uma mudança de paradigma na forma como ensino é lecionado?

Não tenho qualquer dúvida que esta experiência de trabalho e educação a distância em larga escala vai mudar a forma como nos habituámos a estudar, trabalhar e viver. E acredito que vamos ficar melhor depois do que estamos a aprender e experimentar por necessidade, valorizando também melhor alguns aspetos do mundo único que temos.

 

 

Como espera que seja o retorno à normalidade numa instituição com milhares de alunos de todo o mundo como a FEUP?

A FEUP já está a trabalhar para retomar as atividades presenciais. Será com certeza de forma faseada, começando pelas atividades de investigação e pelos laboratórios, com aulas e provas com poucos estudantes em cada sala. Também estão em estudo formas de assegurar a proteção e a promoção de distanciamento. Por exemplo estamos a considerar a necessidade de acessos condicionados na entrada dos edifícios e a possibilidade de desligar os elevadores, exceto para quem tenha mobilidade reduzida. Assim julgo que a educação à distância se irá manter durante bastante tempo, sempre que necessário e possível.

 

 

 

Como pode a Ordem dos Engenheiros ter um papel mais ativo e determinante no pós pandemia e no apoio aos seus membros.

Desde já a Ordem dos Engenheiros deve manter a sua atividade junto das entidades públicas e do governo, das instituições de ensino superior e dos seus membros, recorrendo em geral a iniciativas à distância. As questões de segurança física e virtual são agora mais prementes e devem ser assim levadas em consideração nas diversas áreas de Engenharia. Sempre foi relevante, mas pode agora ser mais relevante promover um debate sobre o equilíbrio entre o acesso à informação privada e a privacidade pessoal no combate à pandemia. Os profissionais de Engenharia que estão envolvidos na construção destes sistemas estão a ser confrontados com dilemas éticos e legais.

 

 

Pedia-lhe uma mensagem para todos os engenheiros e estudantes de Engenharia que irão ler esta entrevista.

Sempre que há um desafio novo devemos observar o que se passa com sentido crítico, mas também criativo, procurando as soluções mais adequadas e mais sustentáveis. Podemos sempre aprender com os erros passados e desenvolver soluções alternativas, soluções inovadoras e mais adaptadas às novas necessidades, também com base na Engenharia e tecnologia.

 

 

Para fechar: Há Engenharia em tudo o que há? Comente.

Há Engenharia em tudo, mas os engenheiros devem compreender os seus limites e envolver outros profissionais. Em conjunto podemos encontrar respostas eficazes aos problemas e assim melhorar a qualidade de vida das pessoas, para termos uma sociedade mais equilibrada e melhor.

 

 

 

Ciclo de entrevistas exclusivas da Plataforma de Notícias da OERN (HaEngenharia.pt) aos diretores das instituições de ensino de Engenharia, reitores das Universidades e presidentes dos Institutos Politécnicos.

 

 
#1 Entrevista João Falcão e Cunha, Director da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)
#2 Entrevista Pedro Arezes, Presidente da Escola de Engenharia da Universidade do Minho (EEUM) 

 

Entrevista e texto: Catarina Soutinho / Design gráfico: Melissa Costa
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